Todas as noites, vou até o fundo da cozinha, em diversas ocasiões, para fumar um cigarro. Uma das coisas mais incríveis de Copacabana são as grandes áreas comuns que se formam da junção dos fundos de seus vários prédios grudados uns nos outros. Não se trata de uma área de convívio, mas de observação. Janelas que dão para outras janelas, quartos de onde se podem ver cozinhas, salas de estar e pequenas varandas povoadas por roupas penduradas nos varais.
Eu não moro em Copacabana, e sim no Leme, mas esta qualidade arquitetônica também existe por aqui.
Do fundo da cozinha, acostumei-me a acompanhar momentos banais de outras vidas. Da minha janela indiscreta, descobri personagens como o senhor habituado a passar horas em frente à tevê, até altas horas da madrugada, a jovem de vinte e poucos anos que mora com a mãe e usa com freqüência o banheiro da cozinha, o rapaz solteiro cujo violão permanece o tempo todo encostado na parede, sem ser tocado, e recebe visitas ocasionais de duas ou três moças diferentes.
O prédio dele é o que mais me chama a atenção, devido ao singular colorido de suas janelas. Cada andar conta com diversas iluminações únicas, do lilás chamativo composto pelas cortinas sempre fechadas daquele apartamento próximo ao térreo à luz estroboscópica dos filmes de ação que, imagino, passam eternamente naquele lar situado no longínquo décimo segundo andar.
O tempo me acostumou a fumar sempre no escuro. Munido de um sentimento de proteção, acompanhava a vida dos outros discretamente a partir da minha torre panóptica particular.
Mas isso – esse sentimento – não existe mais.
Certa noite, segui os mesmos passos de sempre – o procedimento é o mesmo há anos: entro na cozinha, fecho a porta com delicadeza, sirvo-me um copo de coca zero, vou até a janela e acendo meu cigarro. Nada demais acontecia naquela madrugada, e até o senhor da tevê já havia ido dormir (gosto de pensar que ele não tem uma vida social das mais agitadas). Estava concentrado, provavelmente no trabalho que aguardava o meu retorno, quando algo me distraiu.
Na janela abaixo do rapaz do violão, uma luzinha avermelhada e de movimentos limitados atraiu meu olhar. Apertei os olhos e logo vi que se tratava de uma brasa de cigarro.
Outra pessoa fumava à janela, no escuro, como eu.
Fiquei acompanhando aquele pontinho de luz dançante durante minutos e, mesmo depois que o segundo vigilante noturno terminou de fumar, permaneci concentrado em sua janela. Teria ido embora? Ou continuava lá, à espreita, acompanhando os movimentos do meu cigarro? Ou ainda: teria sido a minha presença uma surpresa também para ele, ou ela?
Fiquei por lá ainda alguns minutos após a coca e o cigarro acabarem, pensando. Vigiando. Ainda me pego aguardando o seu retorno, de vez em quando, mas o outro fumante parece ser mais furtivo do que eu. Pode ser, inclusive, que tenha sido apenas um visitante, que nunca mais voltou àquele apartamento. Mas bastou um cigarro para que mudasse o meu ritual.
Hoje, até me permito, às vezes, fumar com a luz acesa.
Acabo de voltar de mais uns tragos. Uma madame chegou da rua com seu cachorro, um poodle, pelos fundos do prédio ao lado.
1 Comentário:
Bom texto, Capello.
Avise se essa história se prolongar. Fiquei curioso. Abraço.
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